Os leilões de imóveis têm atraído cada vez mais investidores no Brasil pela possibilidade de adquirir bens com valores abaixo do mercado.
No entanto, por trás das oportunidades, existe um conjunto de nuances jurídicas que, se ignoradas, podem transformar uma operação lucrativa em um passivo oneroso.
Judicial x Extrajudicial: regimes jurídicos distintos
No leilão judicial, regido pelo Código de Processo Civil, a venda decorre da execução, com o juiz definindo preço mínimo, condições de pagamento e garantias. O edital é vinculante e a carta de arrematação é o título hábil para registro. A legislação permite o parcelamento, mas o cronograma de pagamentos e as penalidades em caso de inadimplência exigem atenção rigorosa.
Já no leilão extrajudicial, previsto na Lei 9.514/97, o procedimento decorre da alienação fiduciária, com etapas próprias de constituição em mora, consolidação da propriedade pelo credor e realização de leilões sucessivos. O investidor deve conferir a regularidade das notificações, o respeito aos prazos legais e a publicidade adequada dos atos, pois qualquer falha pode resultar em nulidade.
Rodrigo Pinter, empresário e assessor jurídico imobiliário, reforça a importância da análise prévia:

“Antes de dar um lance, trato o edital como um contrato. Analiso o regime jurídico aplicável, os prazos reais e todos os custos envolvidos. Sem esse mapeamento, a margem de lucro pode desaparecer no pós-leilão.”
Débitos anteriores: quem assume a responsabilidade
Nos leilões judiciais, a jurisprudência consolidada do STJ afasta a transferência de débitos tributários anteriores, como IPTU, ao arrematante, salvo exceções previstas em lei. Já as cotas condominiais vencidas antes da arrematação, quando constam no edital, podem ser cobradas do comprador, tornando indispensável o levantamento prévio desses valores.
Para Rodrigo, este é um ponto crítico:
“Sempre calculo o preço do imóvel considerando dois cenários: com e sem ônus condominiais. Se o edital indicar que o débito existe, assumo que será meu e desconto isso do valor do lance.”
ITBI: cálculo e base de incidência
O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) incide sobre a arrematação, e a base de cálculo, conforme a jurisprudência dominante, deve ser o valor real da transação, ou seja, o preço pago no leilão. Exigências baseadas em “valor de referência” podem ser questionadas judicialmente, especialmente quando superam o valor da arrematação.
“Um ITBI mal calculado reduz a rentabilidade do negócio. Quando o município insiste em desconsiderar o preço de arrematação, oriento meus clientes a contestar a cobrança, pois isso pode representar uma economia significativa”, destaca Rodrigo.
Posse e desocupação: tempo é dinheiro
O intervalo entre a batida do martelo e a posse efetiva pode variar muito, especialmente quando o imóvel está ocupado. Esse período representa custo, seja pela ausência de renda com locação, seja pela impossibilidade de iniciar reformas ou obras de adaptação. A previsão desse prazo deve integrar o planejamento financeiro do investidor.
Cinco armadilhas comuns em leilões de imóveis
1. Edital incompleto: ausência de informações claras sobre ônus e estado do bem.
2. Dívidas condominiais pretéritas: cobrança após arrematação quando previstas no edital.
3. ITBI acima do valor arrematado: exigência irregular que deve ser contestada.
4. Parcelamento sem planejamento: inadimplência implica perda do valor pago.
5. Falta de formalidades no extrajudicial: notificações e prazos irregulares podem anular o leilão.
Checklist essencial para o arrematante profissional
• Definir o regime jurídico aplicável (judicial ou extrajudicial) e compreender seu rito.
• Levantar todos os ônus “propter rem” e refletir no valor máximo do lance.
• Simular o ITBI com base no valor real da transação.
• Planejar o prazo de posse/desocupação no cronograma de uso do imóvel.
• Controlar o fluxo de caixa para cumprir parcelamentos.
• Realizar due diligence documental completa antes de participar.
Rodrigo Pinter resume a lógica de uma operação bem-sucedida:
“Leilão rentável é aquele em que o jurídico conversa com o financeiro. Quando o investidor domina ITBI, condomínio, posse e parcelamento, o desconto da arrematação se converte em lucro — e não em dor de cabeça.”