Fóssil do pampa é ‘colocado’ em toca em novo estudo – 16/09/2025 – Ciência

“O que vejo lá?”, pergunta Vitor Ramil, na canção “Indo ao Pampa”. Por aquelas bandas, em São Gabriel, na região da Campanha Gaúcha, há 260 milhões de anos, viveu o Rastodon procuvirdens, cujo fóssil foi encontrado em 2010.

Agora, pesquisadores da Unipampa (Universidade Federal do Pampa) e do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) deram um passo além. Com microtomografia computadorizada, analisaram por dentro o crânio e o pós-crânio do indivíduo. E assim descobriram detalhes que podem mudar a compreensão sobre a espécie. O estudo foi publicado na Zoological Journal of The Linnean Society, em agosto.

O espécime encontrado no Rio Grande do Sul é o mais completo do período Permiano —298 a 252 milhões de anos atrás— na América do Sul, dizem os paleontólogos.

Até o momento, acreditava-se que o Rastodon era um dicinodonte bidentálio —não-mamífero herbívoro, com bico destentado e duas presas curvas—, diz o doutorando da Unipampa João Lucas da Silva, líder do estudo, que foi de encontro à esse tese.

O resultado leva a crer que é, sim, dicinodonte, porém um emidopóideo –conhecido por fazer buracos no chão. Nesse caso, o fóssil do bichinho encontrado no Sul do Brasil é o mais antigo de seu subgrupo, levando a crer que a raiz pode ser sulamericana. Na época em que o bicho ainda saltitava, África e América formavam um só, a Pangeia.

A análise do pós-crânio permitiu identificar hábitos do bicho, explica Silva. “Ele se adaptou à vida em tocas. Não encontramos evidências muito especiais sobre ser exímio escavador, mas tudo indica que lidava bem com a tarefa, mas não tanto quanto uma toupeira de fato”, diz.

Os dicinodontes viveram dos períodos Permiano ao Triássico, explica o paleontólogo do Museu Nacional Voltaire Paes Neto, um dos autores do artigo. Há 250 milhões de anos, houve uma extinção em massa em que a maioria dos dicinodontes desapareceram, mas não é o caso nem dos bidentálios, nem dos emidopóideos.

Então, a idade e a singularidade do fóssil são mais indicativos do subgrupo a que pertence. Esse fenômeno foi “muito maior” do que o que extinguiu os dinossauros há 65 milhões de anos, conta o cientista.

“Entender como eram e porque sobreviveram é importante para entender os padrões do passado. E o que eles querem dizer sobre os processos evolutivos, no caso o evento de extinção em massa”, argumenta. “Enfrentamos crise da diversidade, com paralelos com o que ocorreu no Permiano. O que pode se encaminhar para uma extinção de igual montante. O estudo do Rastodon não aborda a extinção em si. Mas é mais uma pista nesse complexo quebra-cabeça.”

A análise, por fim, ajudou a identificar ossos —o que permitiu a reconstituição visual— e classificar a idade do fóssil como a de um jovem adulto.

Paes Neto explica que limitações técnicas impedem que o raio-x seja completo. “Não conseguimos obter ainda a total resolução para dizer com toda certeza como são alguns ossos, ao menos a parte interna deles. Externamente, o fóssil é bom o suficiente para podermos dizer. Internamente é uma coisa que não conseguimos ver sem quebrar o fóssil. Mas o fato é que algumas vezes essas estruturas internas dão pistas evolutivas”, diz.

“O trabalho é uma evolução do conhecimento sobre a espécie e da relação com outras”, avalia o professor do Departamento de Zoologia da USP (Universidade de São Paulo) Pedro Godoy, que não fez parte da pesquisa, mas fez recomendações à versão inicial do artigo.

“É um material muito raro. O crânio é praticamente completo, tem alguns materiais do restante do esqueleto. É importante para o nosso registro fóssil”, fala. “É legal que tenham se debruçado sobre o fóssil e feito uma descrição tão completa, com uma tecnologia bem moderna.”

Para Silva, o sonho a ser realizado é encontrar uma toca preservada no pampa, como existe na África do Sul. Com isso, poderiam localizar um espécime maior e fazer nova análise para saber se é mais velho ou não que o fóssil encontrado em São Gabriel. Assim, poderiam compreender as mudanças da juventude para a vida adulta.

A Unipampa prepara uma exposição da ossada, com previsão de abertura em dezembro.



Fonte UOL

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