Adriane Marschall Pereira, 21, viu uma foto de Gustavo Ostrowski, 23, nas redes sociais de um amigo em comum. Ele estava servindo na Guerra da Ucrânia e mostrava sua vida de combatente. Ela trabalhava como au pair na Espanha.
Ela não mandou mensagem —nem falou com o amigo sobre ele. Mas quis o destino que Gustavo encontrasse seu perfil uma semana depois. O casal, que é natural de Santa Helena (PR) começou a conversar em janeiro de 2024 e, em um mês, Adriane já tinha passagem comprada para conhecer Gustavo na Polônia.
Hoje, de volta ao Brasil, eles têm um filho e planejam voltar para a guerra. Foi durante o período em que serviam que descobriram a gravidez, vivendo lado a lado os desafios do conflito e da vida pessoal.
Leia o depoimento de Adriane
A primeira vez que vi o Gustavo foi em um post de rede social. Um amigo nosso compartilhou uma foto dele na guerra e o achei interessante. Mas como o perfil era fechado, não tinha como mandar mensagem, então deixei para lá. Minha surpresa foi ele me mandar mensagem uma semana depois.
Ele achou meu perfil sem a dica do amigo. A gente queria apenas conversar naquele momento, nada mais. Tínhamos saído de relacionamentos e não havia planos de namorar.
Começamos a conversar e nos demos muito bem. Ele estava na Ucrânia e eu tinha acabado de voltar da Espanha, onde trabalhei como au pair (uma babá que ensina outras línguas e culturas) por três meses.
Com um mês de papo, ele me chamou para visitá-lo. A ideia era nos encontrarmos na Polônia, por pelo menos uma semana, para saber se havia algo romântico entre nós. Tínhamos nos tornado grandes amigos. Eu sabia que ele era uma boa pessoa, tínhamos amigos em comum.
Após um mês, comprei a passagem e fui para a Polônia. Lá, percebemos que a química era real e decidi ficar na Ucrânia com ele. Gustavo servia na Legião Estrangeira e, como sempre tive interesse nesse tipo de trabalho, me informei sobre como poderia começar a servir.
Quando me voluntariei, perguntaram no que eu tinha interesse. Como já tinha trabalhado cuidando de pessoas, resolvi fazer um treinamento na base para atuar em primeiros socorros e ajudar soldados feridos em combate.
Meu treinamento durou cerca de um mês e meio na base e 15 dias em área de missões.
Em uma das missões no batalhão da linha de frente, Gustavo acabou se ferindo de forma grave. O batalhão dele caiu em uma emboscada do Exército russo. Ele foi atingido por estilhaços que perfuraram o pulmão —ocasionando um pneumotórax— e também machucou as pernas.
Nesse ataque, morreram cerca de 20 soldados ucranianos e 5 da Legião Estrangeira. Poucos escaparam. Entre os sobreviventes, um chegou a perder a perna. Foi horrível.
Gustavo foi um dos que sobreviveram, mas passou muito perto da morte. Precisou ser internado e passou por cirurgia. Enquanto se recuperava, ficamos na casa de amigos na Ucrânia.
E foi nesse período que descobri a gravidez.
Uma semana antes de eu ir para uma missão, enquanto trabalhava na enfermaria —trocando curativos, aplicando injeções e medicação— descobri que estava grávida. Foi uma surpresa, pois achava que não podia engravidar.
Aos 17 anos, passei por uma cirurgia para retirada de cistos. Perdi um ovário e uma trompa e ainda precisei fazer raspagem. A probabilidade de ter uma gestação era muito pequena.
Grávida, não poderia ir para a missão, claro. Fui realocada para um local mais seguro, onde ajudava com tradução e comunicação com as famílias. Mesmo assim, por causa das minhas condições anteriores, quase perdi o bebê.
Com dois meses de gestação, tive cólicas muito fortes e fui levada ao hospital. Precisei ser medicada e ainda estava com um caso sério de gastrite. Fiquei uma semana internada e, ao receber alta, decidi encerrar meu contrato de atuação na guerra.
Como as chances de eu precisar de cesariana eram grandes, e esse seria o primeiro neto e sobrinho da família, resolvemos voltar ao Brasil quando eu estava com quatro meses de gestação.
Minha gravidez foi tranquila, mas tive complicações no parto. Ainda bem que estávamos no Brasil e tínhamos apoio da família. Hoje, Miguel tem dois meses.
Levávamos uma vida tranquila na Ucrânia. A guerra acontece nas fronteiras, mas nas cidades do interior, como Sloviansk, era mais calmo. Não dá medo de ficar lá, as pessoas são muito receptivas e tínhamos uma vida sossegada. A única coisa era respeitar o toque de recolher: em área de guerra, às 20h; fora delas, às 22h.
Queremos voltar e temos planos para isso. Mas, desta vez, não vou servir, por causa do bebê. Vou cuidar dele. Meu marido também não quer mais ir para a linha de frente, porque já esteve em cerca de 40 missões. Ele pretende ficar na área de treinamento dos soldados.
Ainda não temos data de retorno, mas deve ser em breve. Queremos passar mais um período na Ucrânia e depois mudar de país por um tempo. Mas não para sempre. Temos planos de voltar ao Brasil e abrir um negócio. Vamos vendo.
Fonte UOL